PALAVRAS SINGULARES

São palavras jeitosas, formosas, inteiras.

Sem sentido, sem juízo, sem valor.

Faceiras, brejeiras, até corriqueiras.

Palavras intensas, carentes ou contentes.

Indecentes, inocentes, contingentes.

Trazem riso, pouco siso, alegoria.

Palavras de fé, de magia, de folia.

Fazem chorar, descontrolar e lamuriar.

Falam de amores, de dissabores,

exaltam as dores.

Palavras alegres, cintilantes, efusivas.

Verdadeiras, sorrateiras, benzedeiras.

Palavras que excitam, incitam, ousam sonhar.

Assim como falam, se calam.

Suplicam, replicam, explicam.

Palavras perdidas, inventadas...

De enfeite, deleite, um falsete.

Palavras tão belas, palavras de fera.

São palavras singulares,

São palavras de mim.

terça-feira, 28 de junho de 2011

PÉROLAS DE RUBEM ALVES

"Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses."


"Será possível, então, um triunfo no amor? Sim. Mas ele não se encontra no final do caminho: não na partida, não na chegada, mas na travessia."


"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que hava silêncio dentro da alma. Daí a dificuldade..."


" As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os olhos."



"Todo jardim começa com uma história de amor, antes que qualquer árvore seja plantada ou um lago construído é preciso que eles tenham nascido dentro da alma.
Quem não planta jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles"



"Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...
O ato de ver não é coisa natural.
Precisa ser aprendido!"



"Todas as palavras tomadas literalmente são falsas. A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção flutua: toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da clareza! Cuidado com o engano do óbvio! "



sexta-feira, 17 de junho de 2011

SANTA CAMA


Cama onde faço amor
Cama onde passo a dor
Na cama o corpo relaxa
Na cama tudo se passa

A cama é um lugar sagrado
Recanto de amor e prazer
Nela quase não se fala
Quando há tanto a fazer

Na cama explode a paixão
Entre os travesseiros macios
Amantes perdem a razão
Parecem animais no cio

Cama símbolo da alcova
Pacto de cumplicidade
Nestas horas de prazer
Não há tempo ou idade

A outra faceta da cama
É aquela em que o corpo reclama
Desfalecido de dor

Cama branca de hospital
Cama fria e impessoal
Agonia e lamento
Só inspira sofrimento

Na cama o poeta compõe
Junto ao seio da amada
A noite doce lembrança
No frio da madrugada


Sozinho ou acompanhado
Na saúde ou doença
A cama é um santuário
Não importa nossa crença. 

(Betty Lucchesi)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

UM POUCO DE VINICIUS

Como dizia o poeta 
Quem já passou por essa vida e não viveu 
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu 
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu 
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não 
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão 
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir 
Eu francamente já não quero nem saber 
De quem não vai porque tem medo de sofrer 
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão 
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, não



(Vinicius)

sábado, 11 de junho de 2011

NAMORE

Namore a vida !
Namore o dia !
Namore a sua paz !
Namore as suas escolhas !
Namore a sua casa !
Namore os sorrisos que te oferecem !
Namore os melhores olhares que vc já recebeu !
Namore seus filhos !
Namore seus sonhos !
Namore sua família !
Namore a sua consciência por aceitar cada momento e superá-lo !
Namore as artes !
Namore a natureza !
Namore o seu querer e o seu "bem querer" !
Namore o ato de AMAR !
Namore seu namorado e se não tiver um, namore o amor que existe dentro de vc independente a quem possa ou não estar na sua vida !
Olhe ao seu redor, busque pela reciprocidade, amadureça os seus relacionamentos e escolhas, VIVA EM AMOR !

sexta-feira, 10 de junho de 2011

AQUI NÃO TEM PRAÇA
Nonato Menezes


São casas gradeadas como jaulas de proteção do eu e do que é meu. As ruas, iluminadas para o nada, são espaços que deixaram de ser públicos. São frias de gente, espaços vazios de almas. Cidades feitas para abrigar cada qual em seu canto. Encaixotados, os habitantes das grandes cidades se isolam. Ao lado e acima.  É o desejo exacerbado de proteger-se do outro, como se o eu que busca refúgio nunca fosse o outro. Até parece que o ser humano deixou de ser, como que por encanto, um ser social. As cidades agora estão sendo projetadas de forma que o homem esteja a cada dia mais distante do outro homem.
Nas cidades, a praça foi sempre um espaço vital para a socialização.  Na Grécia de Sócrates e de Clístenes, foi na praça que as idéias eram discutidas e defendidas. Aquele espaço ao sol, ao ar livre e de livre acesso, servia para o debate público, para as tomadas de decisões. As discussões mais importantes para a sociedade aconteciam ali. Foi na praça que a democracia nasceu. Não foi a Grécia, foi a Ágora, o berço da democracia.
Na Idade Média européia, a praça fazia parte da vida íntima da cidade. A vida social, política, cultural e dos negócios, regra geral, acontecia nas praças. As pessoas e seus anseios convergiam para o centro da cidade, tomando a praça como seu principal ponto de referência. A praça sempre foi, pois, o palco da vida real. Uma cidade sem praça seria uma cidade morta. Período marcado pela forte presença da Igreja Católica, seus templos faziam parte necessária da vida nas praças. O que hoje usamos como a “Praça da Igreja”, correto seria, por sua origem, dizer “Igreja da Praça”.
Na modernidade, os grandes eventos, os estabelecimentos comerciais, bancários e templos religiosos ainda seguem a cultura de circundarem as praças. Mesmo nas grandes cidades, as praças são referências para a sociedade local. Mesmo aqueles eventos importantes para nossa História que ali não começaram se encerraram numa praça ou pelo menos ali foram discutidos e repensados. A História da Bastilha, por exemplo, não aconteceu apenas na rua. A ela a praça deu guarida e nome.
A importância das praças para a vida social é a História que nos revela, por sempre ter sido um lugar de encontro e humanização, talvez o mais democrático de todos. A praça é para amar, para sonhar, para brincar. Poucos locais deixam as crianças mais à vontade do que uma praça. O parque também é um espaço onde se brinca, mas lá, a brincadeira é cheia de regras, pois exige um comportamento padrão, dirigido pelos seus equipamentos que rotinizam a vida e vigiam as ações infantis.
É de se estranhar a urbanidade sem praças. A praça funciona como uma sala de estar de uma cidade. O espaço onde todos podem estar. É, pois, inaceitável uma cidade sem esse espaço público por excelência, criado para democratizar e que existe para humanizar. E não adianta criar “praças de alimentação”, pois estas praças não substituem aquelas, elas não animam a socialização, elas não são em sua essência um ambiente democrático. Juntar pessoas que nem se olham enquanto comem, seguindo um menu adequado a seu padrão social e afirmar, ainda assim, que estas pessoas estão numa praça é uma excrescência. Almoçar e jantar não cabem como atividades num ambiente que foi criado por outras razões e existe ainda hoje pelos mesmos motivos que lhe deram origem. A praça de alimentação nos shoppings – “o LSD da classe média” – é uma forçada de barra que só coaduna com o tudo por lucro. Não pode ser chamado de praça um lugar criado para aglomerar e acomodar consumidores e trabalhadores que apesar de estarem perto não estão comungando nenhum pensamento, nenhum sonho. É um lugar em que até o sorriso é estreito.
As grandes cidades brasileiras têm suas praças, todas no modelo tradicional do espaço público. Famosas, cantadas em versos e prosas que permitem até mesmo quem nunca esteve lá, conhecê-las. Quem pode, por exemplo, não lembrar da Praça Onze? “Praça Onze tão querida/do carnaval à própria vida”. Na voz de Dalva de Oliveira, estes versos revelam na beleza da arte a importância da praça que para muitos ajuda a pacificar os corações.
São Paulo, vítima do progresso e exausta dos negócios, conserva seus espaços públicos e os mantém como pontos de referência. Praça da Sé/Praça da Sé/Hoje você é/Madame Estação Sé, é o canto de Adoniran Barbosa que denuncia o avanço dos edifícios e a inconveniência do barulho.
A praça que acolhia e alegrava hoje é o vazio que entristece. Outrora a “praça do povo”, motivo de poesia e música, acolhe hoje desabrigados, sem teto e sem sonhos. A praça que o carnaval consagrou na voz de Caetano (A Praça Castro Alves é do povo/ Como o céu é do avião/ Um frevo novo/ Todo mundo na praça/ Muita gente sem graça no salão) foi um dos lugares onde se pensou a Bahia. Espaço onde se cantou alegria. Rodeada de cafés, bares, comércio, a Castro Alves foi palco de vida que proporcionou a Salvador ser conhecida do mundo. Como em tantas outras, na Praça Castro Alves se fez História. Continua imponente, mas hoje clama por cuidado e atenção.
“Mas o cara ainda anda dizendo/que agora fez um “negocião”/Comprou o Ver-o-Peso, a Praça do Ferreiro e o Luar do Sertão.” Aqui Ismael Carlos é quem canta a praça em sua composição “O otário”. Ao denunciar o avanço do mercado sobre todas as coisas, o cantor vê o quanto o ato de comprar e vender tende a nivelar tudo. Assim, a praça, lugar de sonhos e de convivência, passa a ter a mesma importância e sentido que há num produto exposto na prateleira do negócio da esquina.
Brasília, filha de Dom Bosco, feita para o Poder, cidade das linhas sinuosas de sua imponente arquiteruta, dos seus espaços vazios, das curvas que anunciaram a modernidade de suas obras ao País, sem ruas e sem avenidas, fez das praças sua maior ausência. Brasília conseguiu caricaturar as praças. As que existem, no dia-a-dia são vazias de gente, por isso só exalam a frieza do concreto. São praças que não são praças.
A Praça dos Três Poderes, a mais famosa delas  é vazia de gente, tem vida vegetal, onde o animal homem só  se faz presente quando faz parte de multidões. Multidões movidas por protestos, compostas por pessoas de bandeiras em punho e gritos na garganta. Ela não é uma praça como espaço público. Nem banco lá existe para acolher quem ali  gostaria de assentar-se para pensar, para compartilhar pensamentos ou simplesmente, para sonhar. Nossos parlamentares poderiam, para suprir a carência da famosa Praça dos Três Poderes, criar rotina de sairem dos gabinetes e dos plenários – com galerias isoladas por vitrais – ir à praça para conversar com o público, ouvir seus clamores, seus rancores e suas dores.
A outra praça famosa de Brasília, a Praça do Buriti, carrega o estigma de espaço vazio na capital Federal. Foi criada também para eventos exporádicos, de manifestações reivindicatórias e de protestos. Levou esse nome por ali ter um dia nascido uma palmeira cujo nome era buriti, que de tanto ficar sozinha não resistiu a solidão e morreu.
Aqui em Brasília não há uma praça como microcosmo urbano, que atraia as pessoas para se embrenharem nos mistérios do mundo, nos desejos e nos sonhos, nas conversas do cotidiano, nas amenidades da vida.
Falta praça para animar a cidade, para envolver as crianças, para acalentar os idosos e motivá-los a sair de suas casas gradeadas, de seus condomínios vigiados, da companhia forçada da televisão.
Setores habitacionais inteiros sem uma praça não é um prenúncio de segurança, de beleza estética, de referência da urbanidade, dos encantos que as cidades precisam ter. São setores habitacionais frios, com violência crescente e insegurança latente.
Sem praças busca-se o lazer forçado dos shoppings que nada mais são que ambientes criados para o consumo, e que retira das pessoas a espontaneidade, engendrando cada um num mundo irreal, de fantasias que não alimentam a alma, de uma dinâmica árida de sentido de vida, de ausência de calor humano, sem a aura que faz brotar o encanto entre o Um e o Outro. O shopping é o ambiente de acertos nos balcões de vendas ou do saciar-se nos bancos das praças de alimentação. Os encontros que ali existem, são apenas encontros de bolsos e de barrigas.
Brasília se entregou aos shoppings, à impessoalidade, ao ritmo frenético e interesseiro do consumo. Desprezou, na sua arquitetura de moradia, projetos de praças, de ambientes de encontros desobrigados, de espaços para o não produzir, para o não consumir.
Empresários, arquitetos, engenheiros e pessoas do poder político daqui esqueceram-se de que a praça é necessária ao viver humano. Esqueceram-se de que nela a humanização ocorre e a socialização acontece. Esqueceram-se também, de que na praça o individualismo não prolifera, pois a praça ajuda a apaziguar os ânimos e alimentar o espírito público.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

SE ESCOLA FOSSE ESTÁDIO E EDUCAÇÃO FOSSE COPA

Jorge Portugal

Passei, nesses últimos dias, meu olhar pelo noticiário nacional e não dá outra: copa do mundo, construção de estádios, ampliação de aeroportos, modernização dos meios de transportes, um frenesi em torno do tema que domina mentes e corações de dez entre dez brasileiros.

Há semanas, o todo-poderoso do futebol mundial ousou desconfiar de nossa capacidade de entregar o “circo da copa” em tempo hábil para a realização do evento, e deve ter recebido pancada de todos os lados pois, imediatamente, retratou-se e até elogiou publicamente o ritmo das obras.
Fiquei pensando: já imaginaram se um terço desse vigor cívico-esportivo fosse canalizado para melhorar nosso ensino público? É… pois se todo mundo acha que reside aí nossa falha fundamental, nosso pecado social de fundo, que compromete todo o futuro e a própria sustentabilidade de nossa condição de BRIC, por que não um esforço nacional pela educação pública de qualidade igual ao que despendemos para preparar a Copa do Mundo?
E olhe que nem precisaria ser tanto! Lembrei-me, incontinenti, que o educador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação e hoje senador da República, encaminhou ao Senado dois projetos com o condão de fazer as coisas nessa área ganharem velocidade de lebre: um deles prevê simplesmente a federalização do ensino público, ou seja, nosso ensino básico passaria a ser responsabilidade da União, com professores, coordenadores e corpo administrativo tendo seus planos de carreira e recebendo salários compatíveis com os de funcionários do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal. Que tal? Não é valorizar essa classe estratégica ao nosso crescimento o desejo de todos que amamos o Brasil? O projeto está lá… parado, quieto, na gaveta de algum relator.
O outro projeto, do mesmo Cristovam, é uma verdadeira “bomba do bem”. Leiam com atenção: ele, o projeto, prevê que “daqui a sete anos, todos os detentores de cargo público, do vereador ao presidente da República serão obrigados a matricular seus filhos na rede pública de ensino”. E então? Já imaginaram o esforço que deputados (estaduais e federais), senadores e governadores não fariam para melhorar nossas escolas, sabendo que seus filhos, netos, iriam estudar nelas daqui a sete anos? Pois bem, esse projeto está adormecido na gaveta do senador Antônio Carlos Valladares, de Sergipe, seu relator. E não anda. E ninguém sabe dele.


Poetizando você 
(Betty Lucchesi)
 
Eu queria fazer poesia,
Mas a métrica me falta.
Resolvi poetizar você....
Falar de teus olhos é mergulhar nas profundezas de um rio, misterioso...
Teu semblante é como um luar estrelado, iluminando as noites do sertão.
E o sorriso... teu sorriso é como o sol irradiando beleza  e alegria nos  dias de verão.
Tens um cheiro de mato verde, madeira nobre ou fruta cítrica.
Teu hálito é como a brisa quente, envolvendo os campos nas tardes de primavera.
Teu beijo é turbilhão, tem a força do mar, que engole em maremoto.
Sentir teu abraço é sentir-se em casa. Aconchego e segurança.
Teu desejo é como chuva forte, que inunda e encharca.
Tuas mãos lembram vinho gostoso, que envolve e inebria.
Tua paixão é como o fogo, arde, queima e consome, lentamente.
Teu saber é fonte abundante, saciando a sede e alimentando a alma.
Desvendar teu corpo é percorrer as geografias desconhecidas, imprevisíveis e encantadoras.
E o teu amor....
Aqui me faltam as palavras, porque toda a beleza do mundo seria pouco para comparar.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A complicada arte de ver
Rubem Alves

Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas"
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos...”

terça-feira, 7 de junho de 2011

FRAGMENTOS DE CLARICE

"a única verdade é que vivo.
Sinceramente, eu vivo.
Quem sou?
Bem, isso já é demais...."


"Sou como você me vê,
posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania,
depende de quando,
e como você me vê passar"

"Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado"

"Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la."
FRAGMENTOS DE UM QUERER

Aconteceu você, assim....
Acordo sonhando
Caminho flutuando.
Teu sorriso maroto,
Encanto!
Teu olhar me devorando,
Arrepio.
Tua boca convidando,
Calafrio.
Tens a coisa do mistério,
Arrebatador.
Já não sei mais de mim.
Por teus sonhos, desfilo
Em meu delírio, comandas.
Estou com fome de ti.
Em teus braços me abandonarei
Em teu regaço, me perderei.
Em teu amor, me encontrarei
Feliz!

(Betty Lucchesi)
                                   PARA QUEM QUER APRENDER A GOSTAR   
                
Arthur da Távola

                   Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar: aprenda a fazer bonito o seu amor. Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito. Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito. Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender.
                   Tenho visto muito amor por aí. Amores mesmo, bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva. Mas esbarram na dificuldade de se tornar bonitos. Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção. Amores levados com artes e ternura de mãos jardineiras.
                   Aí esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais de repente se percebem ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem; rotinizam; descuidam; reclamam; deixam de compreender; necessitam mais do que oferecem; precisam mais do que atendem; enchem-se de razões. Sim, de razões. Ter razão é o maior perigo no amor. Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão. Nem queira. Ter razão é um perigo: em geral enfeia um amor, pois é invocado com justiça, mas na hora errada. Amar bonito é saber a hora de ter razão.
                   Ponha a mão na consciência. Você tem certeza de que está fazendo o seu amor bonito? De que está tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro a maior beleza possível? Talvez não. Cheio ou cheia de razões, você espera do amor apenas aquilo que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando pode trazer. Quem espera mais do que isso sofre, e sofrendo deixa de amar bonito. Sofrendo, deixa de ser alegre, igual, irmão, criança. E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.
                   Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe alegre. Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível com beijos, "aquela conversa importante que precisamos ter"; arquivar, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida. Para quem ama, toda atenção é sempre pouca. Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda a atenção possível. Quem ama bonito não gasta o tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter.
                   Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como a criança de nariz encostado na vitrina cheia de brinquedos dos nossos sonhos) : não teorize sobre o amor; ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.
                   Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme, como: a sinceridade; não dar certo; depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito); abrir o coração; contar a verdade do tamanho do amor que sente.
                   Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carências, exatamente aquele você que a vida impede de ser. Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs. Falando besteira, mas criando sempre. Gaguejando flores. Sentindo o coração bater como no tempo do Natal infantil. Revivendo os carinhos que intuiu em criança. Sem medo de dizer eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.
                   Talvez aí você consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor, ou bonitar fazendo o seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito (a ordem das frases não altera o produto), sempre que ele seja a mais verdadeira expressão de tudo o que você é, e nunca: deixaram, conseguiu, soube, pôde, foi possível, ser.
                   Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto. Não se preocupe mais com ele e suas definições. Cuida agora da forma. Cuide da voz. Cuide da fala. Cuide do cuidado. Cuide do carinho. Cuide de você. Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.

REFLEXÕES....

PAIXÃO PELA VIOLÊNCIA


            Passamos por mais uma Semana Santa. Por um ritual que se repete há séculos e a ladainha é sempre a mesma: o martírio de Jesus Cristo. É o ritual da dor, dos pontapés, da humilhação. É o ritual do agressor e do agredido. Qual dos dois é mais aplaudido?
As encenações que tomam conta de quase todo o mundo cristão nesta época têm forte apelo à aflição. A dor e a truculência superam o que o evento poderia apresentar de beleza estética. A dureza do mundo profano supera em muito o sentido sagrado que o ideal poderia ter. É uma repetição, ano a ano, de um ritual de sangue, de dor e selvageria que empolga milhões de pessoas. É parte do mundo cristão que delira com o sofrimento de Cristo. É o afã pelas chibatadas, pelos pontapés, pela grosseria, pela estupidez num prosaico espetáculo que faz soçobrar a racionalidade.
Como parte do povo gosta de sangue, do sofrimento alheio! Como parte do povo se embriaga com a iniqüidade, mesmo se vier protegida com o véu do mundo sagrado! Estranho, pois o sagrado não poderia compartilhar com o violento, com a dor. O sagrado, em princípio, deveria ser visto, em sua plenitude, como o mundo humano da serenidade, da coesão em torno do bem. O mundo sagrado deveria haver para aquietar a vida espiritual, para submeter o humano ao mundo do imponderável. O sagrado seria então, o caminho para a remissão humana.
Ao contrário, o profano, visto como o ambiente da perdição em si mesmo, parece ser aceito para acolher o dano, para dar vazão ao nocivo. É o mundo que existe para oferecer proteção às imperfeições da natureza humana.
Vistos assim, sagrado e profano afeiçoam-se ao maniqueísmo religioso e estão na justa medida da visão cristã, entusiasta da dualidade do mundo e da vida.
Mas a Sexta-Feira Santa parece ter um significado arrebatador para a Igreja. Além do seu incentivo há a concordância com seu sentido litúrgico. O ritual da via-crúcis como parte do seu calendário, cerrado de dor e de sofrimento é visto, na verdade, como momento da purificação, como último passo para sairmos dos escombros da impiedosa vida humana.  
Estranho é que, a vida em si mesma, já oferece dor e sofrimento, mas o ritual da Via Sacra, momento de data marcada, com atos preparados para os aplausos e para a agonia nos apresenta, de maneira planejada, o martírio como complemento de nossas aflições. Numa peça que reúne sagrado e profano, piedade e grosseria. Num espetáculo que reúne sangue e dor, onde a brutalidade é o gesto que mais provoca alaridos.
É mesmo a fereza que embeleza o espetáculo da Sexta-Feira Santa. É ela que faz jorrar lágrimas, que provoca aplausos, que açoda os brados. Ali, a serenidade que o sagrado haveria de proporcionar, subjaz à bruteza, ao violento.
Mas ali, os gestos de brutalidade, valor intrínseco ao mundo profano, é compartilhado pelo sagrado. Uma clivagem que faz confundir o mundo dual num único orbe dominado pela violência.
 Há de se perguntar a esta parte dos cristãos se Jesus Cristo não deixou outro legado, mais importante para a vida, que mais aglutine as pessoas em torno do bem? Será?
O que dizer então, das mensagens: “Em princípio, o Verbo”! Ou, “quem atira a primeira pedra”? As parábolas em Matheus nada revelam, a ponto de serem lembradas, cultuadas, até como espetáculo?
Mensagens inteligentes, vivas, e profundas que divinizam, que organizam e seduzem, ‘deixadas por Jesus Cristo são esquecidas, talvez por serem sublimes demais para serem acolhidas pela aridez espiritual e racional das massas.
Quaisquer outros legados de Cristo parece não ter importância, por mais sábios que tenham sido, por mais “sagrados” que tenham sido convertidos.  
Mas o que importa mesmo para o clamor social é o bizarro, o grotesco. É o profano coagindo o sagrado que anima os fieis.
Ainda que para muitos haja convincentes justificativas cristãs ou filosóficas para o violento espetáculo da Sexta-Feira Santa, difícil é suportar um ritual que ano a ano nos mostra que é mais importante lidar com o violento do que com o que é inteligente. É mais importante um pontapé do que uma mensagem de carinho. É mais importante lidar com um ritual onde há agressores e agredidos que com momentos de sabedoria.  
            Assim, é que não podemos estranhar que a violência tem sido o grande apelo da arte moderna e a “mão que balança o berço” do cotidiano da vida social.


Nonato Menezes



Uma e outra

Amigo, houve um engano.
Você primeiro tomou uma.
Esqueci e trouxe, depois, a outra.

Caro Amigo, sem problemas.
Assim como amei primeiro uma
Depois a outra.
Depois voltei a amar uma,
Depois amei a outra.

E hoje a outra não quer saber da uma.
Nem a uma quer saber da outra.
Porque enquanto estava com a outra, quis uma.
E enquanto eu amei uma, quis a outra.

Se hoje, nem uma, nem outra
Entendem que me confundi,
Não serei injusto em lhe fazer
Aquilo que tanto a mim machucou.

Me traga primeiro a outra,
Depois traga mais uma.
Afinal, uma ou outra tem que gostar de mim.
E já que uma não me perdoa,
Esqueço uma;
E amo a outra, agora sim!

(Yuri Luck)

LOUVOR A SALVADOR

(Betty Lucchesi) 

 

Salvador bela cidade,
Que fica acordada até tarde
Um ritmo contagiante
Basta sentir seu semblante.

Lugar de praia tão lindas
Nosso maior litoral
Do Nordeste a princesa
Da Bahia a capital.

Passeando na Ribeira
Por São Tomé de Paripe
O nome pouco importa
Praia Grande ou Sauípe.

Na Barra, tudo é só farra!
Tem a beleza do Farol
Do porto até Ondina
Muito mar, calor e sol.

Rio Vermelho dos artistas
Yemanjá é tradição
Os barquinhos deslizando
Pelo mar em procissão.

De repente Amaralina
Tem xamego de menina
Baiana de acarajé
Belo exemplo da mistura
Do swing com axé.

A Pituba belo bairro
Nossa Senhora da Luz
Gente chique e elegante
O requinte se traduz. 

Armação, Boca do Rio,
Patamares, Piatã
Adiante que magia
Despontando Itapuã

Indo pro litoral norte
Tem Abrantes e Jauá
Arembepe aldeia hippie
O passado mora lá.

Itacimirim, Jacuípe
Praia do Forte, Imbassaí
Quem conhece não esquece
Quem chega, não quer sair.

A linha verde que beleza!
Tem Conde e Siribinha
Subaúma um encanto..

E lá vamos nós seguindo
Até onde Deus quiser
Tanta fonte de beleza
Gloriosa natureza
SALVADOR é com certeza
Uma musa, uma MULHER.


ONTEM E HOJE

Ontem pensei em me entregar;
Me entregar ao cigarro
Consolo para a consumição.
Do corpo o carrasco
Da alma, a ilusão.

Ontem pensei em te deixar;
Te deixar de quatro,
Te fazer reviver.
Esgotar-te em meu quarto.
Entregar todo o meu ser.

Ontem pensei em abandonar;
Abandonar os maus hábitos,
Afastar-me de beber.
Livrar-me do acaso.
Correr pra longe do viver.

Ontem pensei em separar;
Separar a conta certa
Pra encontrar-te onde estiver.
Dividir a vida em duas:
Quando não ou com te ter.

Hoje eu quero encontrar-me;
Encontrar-me comigo,
Numa mesa de bar,
Me sentindo sofrido
Pela dor de te amar.

(Yuri Luck)