PALAVRAS SINGULARES

São palavras jeitosas, formosas, inteiras.

Sem sentido, sem juízo, sem valor.

Faceiras, brejeiras, até corriqueiras.

Palavras intensas, carentes ou contentes.

Indecentes, inocentes, contingentes.

Trazem riso, pouco siso, alegoria.

Palavras de fé, de magia, de folia.

Fazem chorar, descontrolar e lamuriar.

Falam de amores, de dissabores,

exaltam as dores.

Palavras alegres, cintilantes, efusivas.

Verdadeiras, sorrateiras, benzedeiras.

Palavras que excitam, incitam, ousam sonhar.

Assim como falam, se calam.

Suplicam, replicam, explicam.

Palavras perdidas, inventadas...

De enfeite, deleite, um falsete.

Palavras tão belas, palavras de fera.

São palavras singulares,

São palavras de mim.

terça-feira, 7 de junho de 2011

REFLEXÕES....

PAIXÃO PELA VIOLÊNCIA


            Passamos por mais uma Semana Santa. Por um ritual que se repete há séculos e a ladainha é sempre a mesma: o martírio de Jesus Cristo. É o ritual da dor, dos pontapés, da humilhação. É o ritual do agressor e do agredido. Qual dos dois é mais aplaudido?
As encenações que tomam conta de quase todo o mundo cristão nesta época têm forte apelo à aflição. A dor e a truculência superam o que o evento poderia apresentar de beleza estética. A dureza do mundo profano supera em muito o sentido sagrado que o ideal poderia ter. É uma repetição, ano a ano, de um ritual de sangue, de dor e selvageria que empolga milhões de pessoas. É parte do mundo cristão que delira com o sofrimento de Cristo. É o afã pelas chibatadas, pelos pontapés, pela grosseria, pela estupidez num prosaico espetáculo que faz soçobrar a racionalidade.
Como parte do povo gosta de sangue, do sofrimento alheio! Como parte do povo se embriaga com a iniqüidade, mesmo se vier protegida com o véu do mundo sagrado! Estranho, pois o sagrado não poderia compartilhar com o violento, com a dor. O sagrado, em princípio, deveria ser visto, em sua plenitude, como o mundo humano da serenidade, da coesão em torno do bem. O mundo sagrado deveria haver para aquietar a vida espiritual, para submeter o humano ao mundo do imponderável. O sagrado seria então, o caminho para a remissão humana.
Ao contrário, o profano, visto como o ambiente da perdição em si mesmo, parece ser aceito para acolher o dano, para dar vazão ao nocivo. É o mundo que existe para oferecer proteção às imperfeições da natureza humana.
Vistos assim, sagrado e profano afeiçoam-se ao maniqueísmo religioso e estão na justa medida da visão cristã, entusiasta da dualidade do mundo e da vida.
Mas a Sexta-Feira Santa parece ter um significado arrebatador para a Igreja. Além do seu incentivo há a concordância com seu sentido litúrgico. O ritual da via-crúcis como parte do seu calendário, cerrado de dor e de sofrimento é visto, na verdade, como momento da purificação, como último passo para sairmos dos escombros da impiedosa vida humana.  
Estranho é que, a vida em si mesma, já oferece dor e sofrimento, mas o ritual da Via Sacra, momento de data marcada, com atos preparados para os aplausos e para a agonia nos apresenta, de maneira planejada, o martírio como complemento de nossas aflições. Numa peça que reúne sagrado e profano, piedade e grosseria. Num espetáculo que reúne sangue e dor, onde a brutalidade é o gesto que mais provoca alaridos.
É mesmo a fereza que embeleza o espetáculo da Sexta-Feira Santa. É ela que faz jorrar lágrimas, que provoca aplausos, que açoda os brados. Ali, a serenidade que o sagrado haveria de proporcionar, subjaz à bruteza, ao violento.
Mas ali, os gestos de brutalidade, valor intrínseco ao mundo profano, é compartilhado pelo sagrado. Uma clivagem que faz confundir o mundo dual num único orbe dominado pela violência.
 Há de se perguntar a esta parte dos cristãos se Jesus Cristo não deixou outro legado, mais importante para a vida, que mais aglutine as pessoas em torno do bem? Será?
O que dizer então, das mensagens: “Em princípio, o Verbo”! Ou, “quem atira a primeira pedra”? As parábolas em Matheus nada revelam, a ponto de serem lembradas, cultuadas, até como espetáculo?
Mensagens inteligentes, vivas, e profundas que divinizam, que organizam e seduzem, ‘deixadas por Jesus Cristo são esquecidas, talvez por serem sublimes demais para serem acolhidas pela aridez espiritual e racional das massas.
Quaisquer outros legados de Cristo parece não ter importância, por mais sábios que tenham sido, por mais “sagrados” que tenham sido convertidos.  
Mas o que importa mesmo para o clamor social é o bizarro, o grotesco. É o profano coagindo o sagrado que anima os fieis.
Ainda que para muitos haja convincentes justificativas cristãs ou filosóficas para o violento espetáculo da Sexta-Feira Santa, difícil é suportar um ritual que ano a ano nos mostra que é mais importante lidar com o violento do que com o que é inteligente. É mais importante um pontapé do que uma mensagem de carinho. É mais importante lidar com um ritual onde há agressores e agredidos que com momentos de sabedoria.  
            Assim, é que não podemos estranhar que a violência tem sido o grande apelo da arte moderna e a “mão que balança o berço” do cotidiano da vida social.


Nonato Menezes



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