PALAVRAS SINGULARES

São palavras jeitosas, formosas, inteiras.

Sem sentido, sem juízo, sem valor.

Faceiras, brejeiras, até corriqueiras.

Palavras intensas, carentes ou contentes.

Indecentes, inocentes, contingentes.

Trazem riso, pouco siso, alegoria.

Palavras de fé, de magia, de folia.

Fazem chorar, descontrolar e lamuriar.

Falam de amores, de dissabores,

exaltam as dores.

Palavras alegres, cintilantes, efusivas.

Verdadeiras, sorrateiras, benzedeiras.

Palavras que excitam, incitam, ousam sonhar.

Assim como falam, se calam.

Suplicam, replicam, explicam.

Palavras perdidas, inventadas...

De enfeite, deleite, um falsete.

Palavras tão belas, palavras de fera.

São palavras singulares,

São palavras de mim.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

AQUI NÃO TEM PRAÇA
Nonato Menezes


São casas gradeadas como jaulas de proteção do eu e do que é meu. As ruas, iluminadas para o nada, são espaços que deixaram de ser públicos. São frias de gente, espaços vazios de almas. Cidades feitas para abrigar cada qual em seu canto. Encaixotados, os habitantes das grandes cidades se isolam. Ao lado e acima.  É o desejo exacerbado de proteger-se do outro, como se o eu que busca refúgio nunca fosse o outro. Até parece que o ser humano deixou de ser, como que por encanto, um ser social. As cidades agora estão sendo projetadas de forma que o homem esteja a cada dia mais distante do outro homem.
Nas cidades, a praça foi sempre um espaço vital para a socialização.  Na Grécia de Sócrates e de Clístenes, foi na praça que as idéias eram discutidas e defendidas. Aquele espaço ao sol, ao ar livre e de livre acesso, servia para o debate público, para as tomadas de decisões. As discussões mais importantes para a sociedade aconteciam ali. Foi na praça que a democracia nasceu. Não foi a Grécia, foi a Ágora, o berço da democracia.
Na Idade Média européia, a praça fazia parte da vida íntima da cidade. A vida social, política, cultural e dos negócios, regra geral, acontecia nas praças. As pessoas e seus anseios convergiam para o centro da cidade, tomando a praça como seu principal ponto de referência. A praça sempre foi, pois, o palco da vida real. Uma cidade sem praça seria uma cidade morta. Período marcado pela forte presença da Igreja Católica, seus templos faziam parte necessária da vida nas praças. O que hoje usamos como a “Praça da Igreja”, correto seria, por sua origem, dizer “Igreja da Praça”.
Na modernidade, os grandes eventos, os estabelecimentos comerciais, bancários e templos religiosos ainda seguem a cultura de circundarem as praças. Mesmo nas grandes cidades, as praças são referências para a sociedade local. Mesmo aqueles eventos importantes para nossa História que ali não começaram se encerraram numa praça ou pelo menos ali foram discutidos e repensados. A História da Bastilha, por exemplo, não aconteceu apenas na rua. A ela a praça deu guarida e nome.
A importância das praças para a vida social é a História que nos revela, por sempre ter sido um lugar de encontro e humanização, talvez o mais democrático de todos. A praça é para amar, para sonhar, para brincar. Poucos locais deixam as crianças mais à vontade do que uma praça. O parque também é um espaço onde se brinca, mas lá, a brincadeira é cheia de regras, pois exige um comportamento padrão, dirigido pelos seus equipamentos que rotinizam a vida e vigiam as ações infantis.
É de se estranhar a urbanidade sem praças. A praça funciona como uma sala de estar de uma cidade. O espaço onde todos podem estar. É, pois, inaceitável uma cidade sem esse espaço público por excelência, criado para democratizar e que existe para humanizar. E não adianta criar “praças de alimentação”, pois estas praças não substituem aquelas, elas não animam a socialização, elas não são em sua essência um ambiente democrático. Juntar pessoas que nem se olham enquanto comem, seguindo um menu adequado a seu padrão social e afirmar, ainda assim, que estas pessoas estão numa praça é uma excrescência. Almoçar e jantar não cabem como atividades num ambiente que foi criado por outras razões e existe ainda hoje pelos mesmos motivos que lhe deram origem. A praça de alimentação nos shoppings – “o LSD da classe média” – é uma forçada de barra que só coaduna com o tudo por lucro. Não pode ser chamado de praça um lugar criado para aglomerar e acomodar consumidores e trabalhadores que apesar de estarem perto não estão comungando nenhum pensamento, nenhum sonho. É um lugar em que até o sorriso é estreito.
As grandes cidades brasileiras têm suas praças, todas no modelo tradicional do espaço público. Famosas, cantadas em versos e prosas que permitem até mesmo quem nunca esteve lá, conhecê-las. Quem pode, por exemplo, não lembrar da Praça Onze? “Praça Onze tão querida/do carnaval à própria vida”. Na voz de Dalva de Oliveira, estes versos revelam na beleza da arte a importância da praça que para muitos ajuda a pacificar os corações.
São Paulo, vítima do progresso e exausta dos negócios, conserva seus espaços públicos e os mantém como pontos de referência. Praça da Sé/Praça da Sé/Hoje você é/Madame Estação Sé, é o canto de Adoniran Barbosa que denuncia o avanço dos edifícios e a inconveniência do barulho.
A praça que acolhia e alegrava hoje é o vazio que entristece. Outrora a “praça do povo”, motivo de poesia e música, acolhe hoje desabrigados, sem teto e sem sonhos. A praça que o carnaval consagrou na voz de Caetano (A Praça Castro Alves é do povo/ Como o céu é do avião/ Um frevo novo/ Todo mundo na praça/ Muita gente sem graça no salão) foi um dos lugares onde se pensou a Bahia. Espaço onde se cantou alegria. Rodeada de cafés, bares, comércio, a Castro Alves foi palco de vida que proporcionou a Salvador ser conhecida do mundo. Como em tantas outras, na Praça Castro Alves se fez História. Continua imponente, mas hoje clama por cuidado e atenção.
“Mas o cara ainda anda dizendo/que agora fez um “negocião”/Comprou o Ver-o-Peso, a Praça do Ferreiro e o Luar do Sertão.” Aqui Ismael Carlos é quem canta a praça em sua composição “O otário”. Ao denunciar o avanço do mercado sobre todas as coisas, o cantor vê o quanto o ato de comprar e vender tende a nivelar tudo. Assim, a praça, lugar de sonhos e de convivência, passa a ter a mesma importância e sentido que há num produto exposto na prateleira do negócio da esquina.
Brasília, filha de Dom Bosco, feita para o Poder, cidade das linhas sinuosas de sua imponente arquiteruta, dos seus espaços vazios, das curvas que anunciaram a modernidade de suas obras ao País, sem ruas e sem avenidas, fez das praças sua maior ausência. Brasília conseguiu caricaturar as praças. As que existem, no dia-a-dia são vazias de gente, por isso só exalam a frieza do concreto. São praças que não são praças.
A Praça dos Três Poderes, a mais famosa delas  é vazia de gente, tem vida vegetal, onde o animal homem só  se faz presente quando faz parte de multidões. Multidões movidas por protestos, compostas por pessoas de bandeiras em punho e gritos na garganta. Ela não é uma praça como espaço público. Nem banco lá existe para acolher quem ali  gostaria de assentar-se para pensar, para compartilhar pensamentos ou simplesmente, para sonhar. Nossos parlamentares poderiam, para suprir a carência da famosa Praça dos Três Poderes, criar rotina de sairem dos gabinetes e dos plenários – com galerias isoladas por vitrais – ir à praça para conversar com o público, ouvir seus clamores, seus rancores e suas dores.
A outra praça famosa de Brasília, a Praça do Buriti, carrega o estigma de espaço vazio na capital Federal. Foi criada também para eventos exporádicos, de manifestações reivindicatórias e de protestos. Levou esse nome por ali ter um dia nascido uma palmeira cujo nome era buriti, que de tanto ficar sozinha não resistiu a solidão e morreu.
Aqui em Brasília não há uma praça como microcosmo urbano, que atraia as pessoas para se embrenharem nos mistérios do mundo, nos desejos e nos sonhos, nas conversas do cotidiano, nas amenidades da vida.
Falta praça para animar a cidade, para envolver as crianças, para acalentar os idosos e motivá-los a sair de suas casas gradeadas, de seus condomínios vigiados, da companhia forçada da televisão.
Setores habitacionais inteiros sem uma praça não é um prenúncio de segurança, de beleza estética, de referência da urbanidade, dos encantos que as cidades precisam ter. São setores habitacionais frios, com violência crescente e insegurança latente.
Sem praças busca-se o lazer forçado dos shoppings que nada mais são que ambientes criados para o consumo, e que retira das pessoas a espontaneidade, engendrando cada um num mundo irreal, de fantasias que não alimentam a alma, de uma dinâmica árida de sentido de vida, de ausência de calor humano, sem a aura que faz brotar o encanto entre o Um e o Outro. O shopping é o ambiente de acertos nos balcões de vendas ou do saciar-se nos bancos das praças de alimentação. Os encontros que ali existem, são apenas encontros de bolsos e de barrigas.
Brasília se entregou aos shoppings, à impessoalidade, ao ritmo frenético e interesseiro do consumo. Desprezou, na sua arquitetura de moradia, projetos de praças, de ambientes de encontros desobrigados, de espaços para o não produzir, para o não consumir.
Empresários, arquitetos, engenheiros e pessoas do poder político daqui esqueceram-se de que a praça é necessária ao viver humano. Esqueceram-se de que nela a humanização ocorre e a socialização acontece. Esqueceram-se também, de que na praça o individualismo não prolifera, pois a praça ajuda a apaziguar os ânimos e alimentar o espírito público.

Um comentário:

  1. Belíssimo texto; carregado de sensibilidade, de visão crítica porém humanística.

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